sábado, 10 de dezembro de 2011

Eras geológicas

Numa das últimas idas a Lisboa trouxe de casa dos meus pais uma caixa de cartão onde, logo a partir da infância, fui acumulando pequenos objectos e pedaços de papel. Imperturbadas durante anos, as recordações foram-se dispondo em estratos geológicos muito bem definidos. É possível, como os geólogos fazem, datar com precisão acontecimentos e perceber o modo de vida de quem habitou esses lugares. Encontrei mapas de cidades que visitei, cartazes de festivais de música, bilhetes trocados em salas de aula, listas telefónicas com nomes de amigos que nunca mais vi, cromos com imagens de navios, bilhetes de comboio. Há um pedaço de papel que me intrigou mais do que os restantes. Estava numa das camadas geológicas da adolescência, com um número de telefone e a frase: atreve-te a não me telefonar. O problema é que já não faço a mínima ideia de quem o escreveu ou se cheguei a telefonar ou não. Calculo que, passados mais de vinte anos, já ninguém estará ao lado do telefone – como se fazia quando ainda não eram móveis – à espera de receber a chamada.

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