domingo, 23 de janeiro de 2011

Noite eleitoral

Nunca assisti a leituras de poesia com mais de vinte ou trinta pessoas presentes, mais de metade das quais geralmente familiares e amigos dos próprios poetas e o resto uma mistura de clientes habituais, representantes das editoras e transeuntes distraídos. Esta noite fui ao Southbank Centre ouvir os finalistas do T.S. Eliot Poetry Prize lerem alguns dos seus poemas, numa sala com duas mil pessoas. Os bilhetes mais baratos custavam cerca de quinze euros. Dos dez finalistas, apenas o Derek Walcott não esteve presente pessoalmente, demasiado idoso e inteligente para abandonar a ilha das Caraíbas onde vive em pleno inverno. As melhores leituras foram as de Simon Armitage (Seeing Stars), Robin Robertson (The Wrecking Light) e Sam Willetts (New Light for the Old Dark). Seamus Heaney, debilitado pela idade, leu alguns dos poemas de Human Chain com o seu sotaque carregado e uma forte tremura nas mãos ao virar as folhas. O vencedor é anunciado amanhã.

Adenda: O vencedor foi Derek Walcott. Não se conhecem ainda os números da abstenção, nem o discurso de vitória. Os restantes poetas reconheceram a derrota de modo cortês e em pentâmetros iâmbicos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

LER

Encontrei, por acaso, uma referência a esta outra Ler, uma revista sem recensões literárias, crónicas ou jornalismo cultural, apenas tornozelos, calcanhares, tarsos, metatarsos, meias para diabéticos e calçado ortopédico. O nome é uma abreviatura de Lower Extremity Review, ou seja, é uma publicação periódica sobre pés. Num dos últimos números, Jordana Bieze Foster, uma espécie de Francisco José Viegas da Lower Extremety Review, dedica o editorial aos chinelos de dedo (Flip-flop Flak). O Rogério Casanova pode escrever análises interessantes sobre Pynchon ou Nabokov, mas nada de tão profundo quanto os artigos de Metin Yavuz, PhD sobre pressão plantar.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Liberdade de ensino

No Reino Unido, o sistema educativo não está dividido tanto entre ensino público e privado, mas entre escolas pagas e não pagas. O sistema público é composto por escolas geridas pelas câmaras municipais ou por instituições religiosas ligadas às igrejas anglicana ou católica. E a competição pelas melhores escolas é enorme, com pais verdadeiramente convencidos de que todo o futuro dos seus filhos de cinco anos depende desse factor. Há histórias de famílias que mudam de casa para beneficiarem do critério da proximidade geográfica e de pais que se tornam mais devotos e começam a assistir à missa com maior regularidade, com meses ou anos de antecedência, para poderem beneficiar do critério da crença praticante. À primeira vista, existe maior liberdade de escolha do que no ensino uniformizado português. No entanto, como é um sistema competitivo e de recursos limitados, muitas das famílias têm de optar entre colocar um filho numa escola longínqua, da denominação da sua preferência, ou numa escola mais próxima, de uma denominação contrária à sua fé ou falta de fé. Já entregámos a candidatura da L. Na lista de cinco escolas, duas (as mais próximas de casa) são anglicanas e uma católica. Seja o que o deus e o ministério da educação quiserem...

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Livro de reclamações

Uma das obras principais de Lord Byron é um longo poema de viagem (Childe Harold’s Pilgrimage), com início em Portugal. Byron entrou num navio para escapar às frustrações da terra natal e desembarcou em Lisboa em 1809. Como legado à posteridade, dedicou vinte stanzas a elogiar a beleza natural de Portugal e a criticar a personalidade e os hábitos de higiene dos portugueses. Diz, na verdade, que é uma pena que tanta beleza seja desperdiçada num povo como o nosso, escravizado pelos invasores franceses e depois pelos salvadores britânicos.

Poor, paltry slaves! Yet born ‘midst noblest scenes –

Why, Nature, waste thy wonders on such men?


Um comentador que ouvi há pouco dizia que o culto de Byron - uma verdadeira pop star do século dezanove - espalhou-se um pouco por toda a Europa, com a excepção compreensível de Portugal. Os portugueses, como todos os povos, gostam de dizer mal de si próprios, mas levam a mal que outros se dediquem a essa actividade. Em especial quando nos comparam desfavoravelmente com os espanhóis:


Well doth the Spanish hind the difference know

‘Twix him and Lusian slave, the lowest of the low.


Mais do que um poema, é o livro de reclamações de um turista inglês.