domingo, 31 de janeiro de 2010

Literatura comparada

Uma amiga, sempre com ideias boas e generosas, pediu-nos livros para iniciar uma biblioteca para presos que, nas actuais funções, tem de visitar e confortar. Numa primeira passagem pelas minhas estantes apercebi-me de que não ia ser uma tarefa fácil. Escolher literatura para pessoas com todo o tempo do mundo para se reverem nas personagens das histórias que lêem é uma responsabilidade demasiado grande, mesmo a um continente de distância. Comecei por eliminar os mais óbvios, como Crime e Castigo (Dostoievski), Expiação (Ian McEwan), O que Faço Eu Aqui (Bruce Chatwin), A Eternidade Não é De Mais (François Cheng), Os Inimigos do Sistema (Brian Aldiss), O Assalto (Harry Mulisch), O Livro da Confissão (John Banville) ou Sem Destino (Imre Kertész). Pus de lado também os que, pela espessura e peso, pudessem servir de arma, tornando-me cúmplice involuntário de um crime: A Montanha Mágica (Thomas Mann), Ulisses (James Joyce), D. Quixote (Cervantes), Metamorfoses (Ovídio) ou O Jogo do Mundo (Julio Cortázar). Depois os que, pela gramagem leve das folhas, pudessem acabar, de forma inglória, em centenas de mortalhas, como a edição da Caminho das Obras de Carlos de Oliveira ou a Bíblia. Isto tudo, J., para te tentar explicar porque é que, com toda esta análise de risco, ainda não te chegou aí desse lado do Oceano um único volume.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Too hot to trot

Para me abrigar do frio, entrei numa das casas de apostas que existem espalhadas pela cidade de Londres. São sítios curiosos, de paredes forradas com painéis semelhantes aos antigos horários de comboios das estações da CP, nos quais se encontra escrito, num código apenas compreensível para os iniciados, nomes de cães ou cavalos, nomes de pistas e probabilidades de vitória. Noutra parede, em cerca de dez plasmas diferentes, passam imagens de corridas de cavalos, cães, automóveis e jogos de futebol. Pode fazer-se apostas sobre quase tudo, desde a equipa que vai vencer o mundial até, creio, o partido que vai vencer as próximas eleições. Estavam lá apenas outras três pessoas: uma dona-de-casa de meia idade, que entrou e saiu depois de apostar qualquer coisa no balcão, um rapaz interessado em ver um dos jogos de futebol e um homem que acompanhava corridas de galgos e, no final, rasgava invariavelmente os bilhetes das apostas perdidas. Percorri as longas listas, por curiosidade. Numa das pistas, num qualquer lugar distante do país, iam correr lado a lado os cavalos Too Hot to Trot, Baar Med, Fettucini e Dog Violet. Ainda me senti tentado a apostar no primeiro, mas não saberia como e, por isso, enrolei o cachecol e saí para a rua sem saber quem venceu a corrida.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


Hora de almoço passada em Green Park, a fotografar e a ouvir Blonde Redhead.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

The lazy sunbather

A BBC Radio 4 tem um programa chamado Desert Island Discs, em que os entrevistados são convidados a explicar quais as músicas que carregariam debaixo do braço em caso de naufrágio. O Morrisey foi a um dos últimos programas. Não consegui ouvir a entrevista, mas retirei a lista do site da BBC. O antigo vocalista dos The Smiths levaria para uma ilha deserta músicas dos Ramones, The Velvet Underground e Iggy & the Stooges, bandas que costumam ser ouvidas em ambientes mais escuros e urbanos, como salas de concerto ou quartos de adolescente. Duas das outras escolhas são mais óbvias para quem está sozinho numa ilha: Come and Stay With Me de Marianne Faithfull e Sea Diver de Mott the Hoople. O próprio Morrisey tem uma música com o título The Lazy Sunbathers, sobre pessoas que não se importam que o mundo esteja a explodir à sua volta enquanto apanham banhos de sol. Um grupo a que não me importava de juntar, quando a temperatura ronda os 0º. Por azar, naufraguei numa ilha pouco deserta e com pouco sol. Mas felizmente com boa música.

(Obrigado, Vítor. Estou neste momento a descarregar os 4Gb de música que trouxe de tua casa.)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Os nomes familiares perdem significado, especialmente se designarem lugares ou ruas. De vez em quando, podemos ser surpreendidos por uma designação que envolva, por exemplo, as freguesias dos Prazeres ou do Rego, mas em geral andamos por Lisboa sem perder muito tempo a olhar para as placas. Quando mudamos para uma nova cidade, é diferente. É muito fácil sermos surpreendidos com nomes de ruas que os locais já interiorizaram. Perto de nossa casa há, por exemplo, uma pequena rua com nome de álbum pop: Strangways Terrace. Depois, se andarmos bastante a pé pela cidade, podemos encontrar lugares como Crutched Friars (Frades com Muletas), Petty France (França Mesquinha), Pudding Lane, Cock Lane, Gutter Lane, Flask Walk, Half Moon Crescent, Inner Circle, Adam and Eve Mews, Nevern Square, Lupus Street, Prima Road, Amen Corner, World's End ou Unicorn Passage. A literatura não teria conseguido conceber um mapa mais estranho, onde é muito fácil perdermo-nos, especialmente se nos encontrarmos em Bliss Crescent (Êxtase Crescente)*.

*As traduções entre parêntesis são, obviamente, demasiado literais e erradas.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Abaixo de zero

Não chove nem neva, mas o termómetro hesita entre o positivo e o negativo. Toda a humidade se transformou numa poeira fina de gelo que cobre relvados, gradeamentos, automóveis, ruas. Uma película semelhante à que cobre uma caixa de gelado assim que a retiramos do congelador. Parece que estamos todos a viver no interior de um grande frigorífico e, como o processo evolutivo não nos preparou para a hibernação, tenho de continuar a fazer as actividades diárias normais: sair de casa, esperar pelos transportes públicos numa paragem gelada, ler umas páginas do livro do Joan Margarit – que comprei nas férias – na parte de cima do autocarro, andar até ao trabalho em passo acelerado antes que as cartilagens das orelhas congelem e fiquem quebradiças. Assim que as mãos recuperarem a sensibilidade vou dando mais notícias. Bom Ano Novo.