quinta-feira, 29 de abril de 2010

Hoje acordei às 5h41 da manhã. Não porque estivesse com insónias ou porque tenha campos para lavrar, mas porque o D. tem acordado por volta dessa hora durante toda a semana. Recorrendo ao método científico e isolando variáveis, acabei por consultar um site meteorológico com a tabela do nascer do sol em Londres: 5h42 (segunda), 5h40 (terça), 5h38 (quarta), 5h37 (quinta). A coincidência é demasiada para ser considerada um acaso. Tendemos a esquecer-nos da nossa natureza biológica e de que os nossos antepassados viveram forçados ao ritmo dos elementos, das fases do Sol e da Lua. Durante milhares de anos a humanidade observou os astros para tentar conhecer o seu destino, profetizar a queda de impérios ou navegar por oceanos desconhecidos. Eu fico apenas a saber a que horas vou acordar amanhã. E, pela tabela, será às 5h35.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Ofereceram-me finalmente o 2666 do Roberto Bolaño. É o mais próximo que um objecto pode estar de incorporar o ideal romano de mente sã em corpo são. O cérebro vai acompanhando as aventuras de Pelletier, Espinoza, Morini e Norton, enquanto os bíceps vão ficando mais definidos por terem de suportar o peso de um livro de mais de mil páginas. Pesei-o na balança de cozinha: 1,292 Kg. Se fosse farinha, dava para três ou quatro bolos-rei. Na parte em que fiquei hoje, alguns dos personagens encontram-se num café pequenino de uma heterodoxa galeria que se dedica à exposição de quadros, mas também à venda de livros usados, de roupa usada e de sapatos usados, lugar de encontro em Hyde Park Gate. A rua fica relativamente próxima da minha casa e já tinha pensado escrever sobre ela, mas por motivos diferentes, que descreverei noutra altura. Um destes dias passo por lá para ver se a galeria é também ficcional.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Eyjafjllajokull: apesar de parecer um erro de digitação, é o nome do vulcão que me está a dificultar uma viagem marcada a Portugal para um casamento. Em desespero, fui ao Google Maps em busca de alternativas ao transporte aéreo: 20 horas e 24 minutos de automóvel ou 7 dias e 14 horas a pé (o que parece incluir uma travessia a nado entre Portsmouth e Bilbao). Na impossibilidade de discutir com um vulcão, que grita neste momento muito mais alto do que eu, tenho de adoptar a atitude britânica deste senhor entrevistado pela BBC:

"I'm meant to be going to Lanzarote. We've travelled from Oban, leaving at 3am. Now we've decided we might as well just go home and do a bit of gardening."

domingo, 11 de abril de 2010

Viagem de estudo


Nenhum museu é feito para se ver numa tarde, especialmente o Britânico. Mesmo que estivesse vazio, o edifício, por si só, merecia ser visitado, pela feliz mistura de traços clássicos e contemporâneos. Depois de ver cinquenta múmias e três mil e quinhentos calhaus, já me apetecia encostar numa cariátide ou deitar-me num sarcófago, mas continuei a deambular pelas salas. Os britânicos sempre gostaram de trazer recordações das suas viagens de estudo pelo mundo e de trocar bens intangíveis, como o sistema representativo ou a arte de jogar cricket, por outros mais concretos, como esculturas e peças em bronze. Ainda tentei visitar a sala de leitura (agora remodelada), onde termina tragicamente o filme Blackmail, de Hithcock, mas estava encerrada. Regressei através de Covent Garden e do Soho e, já em casa, aproveitando que estou sozinho por uns dias, dediquei-me a uma actividade que se vai tornando muito rara: tomar um longo banho de imersão. Não fosse o eterno dilema de tentar, em vão, manter simultaneamente submersos os ombos e os joelhos, teria sido um bom final de fim-de-semana.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

15º à sombra

Apesar de ter tido defensores tão célebres quanto Montesquieu, a teoria de que o clima molda o carácter dos povos é, quanto muito, exagerada. Por vezes, no entanto, sou forçado a suspender o meu cepticismo. Os povos do Sul estão acostumados a proteger-se do calor. Lembro-me de na infância ver os agricultores, em Trás-os-Montes, irem para o campo com camisas de mangas compridas e casacos grossos, em pleno Verão, sob o lema de que «o que protege do frio, também protege do calor». Da mesma forma, os beduínos não usam manga curta para atravessarem o deserto. Mas aqui, mais a norte, basta que a temperatura suba acima dos quinze graus para que comecem a voar cachecóis, luvas, casacos e camisolas e os londrinos tentem encontrar um bocado de relva no meio da cidade para se poderem deitar a apanhar banhos de sol.

Todas as actividades que durante os meses anteriores eram realizadas entre paredes são trazidas para o espaço público: almoçar, ler, dormir uma sesta, etc. Nunca um alentejano, por exemplo, se lembraria de se sentar num banco na praça central da sua vila, a apanhar banhos de sol, nas horas de maior calor. Geralmente esperam pela «fresquinha». Claro que os britânicos estão fartos de «fresquinha» e começam logo a ocupar as superfícies com mais sol, como caracóis. Depois de bastantes meses aqui, começo a compreendê-los perfeitamente. Se tudo continuar assim, este fim-de-semana sacudo o pó da manta e mudo-me para o relvado na parte de trás da nossa casa.