domingo, 22 de novembro de 2009

Os relatos de náufragos são, em geral, histórias de homens desesperados em lugares paradisíacos. Robinson Crusoe naufragou no arquipélago Juan Fernández, mas tinha uma vida solitária. Os amotinados do Bounty fizeram-se naufragar na ilha de Pitcairn, no Pacífico Sul, mas acabaram por se matar uns aos outros. Os passageiros do Sea Venture naufragaram na costa das Bermudas, em 1609, mas trocaram a ilha pelo continente logo que conseguiram construir outro navio. Nós não estamos desesperados, nem a nossa ilha é muito tropical. Com a aproximação da época, os parques têm feiras de Natal, com carrosséis luminosos, ringues de patinagem no gelo e barracas de comida a fumegar. Escurece muito cedo, mas isso permite-nos desfrutar durante mais horas das iluminações de Natal, que sobem pelos troncos das árvores como trepadeiras. Está frio e chove, mas não dentro dos museus. Enfim, vamos incendiando simbolicamente os restos do barco que nos trouxe, para nos esquecermos dos planos de regresso. Com bastante sucesso, este fim-de-semana.

terça-feira, 17 de novembro de 2009


Por motivos de trabalho, tenho de atravessar o St. James' Park uma ou duas vezes por semana. Esta manhã estava assim, com sol sobre Whitehall e o London Eye a rodar, ao fundo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Os ingleses estão a esforçar-se para que eu não tenha saudades de casa. Não há jornal ou ecrã de televisão em que não apareçam as seis letras da palavra Lisbon. E nem o facto de, em geral, a utilizarem como um insulto - por se referir ao Tratado -, me deixa menos satisfeito. Os jornais conservadores usam o nome da nossa cidade como se fosse o de uma batalha perdida da Guerra dos Cem Anos. Para muitos deles, a Europa só começa do outro lado do Canal e olham com desconfiança tudo o que o tente atravessar, seja navios espanhóis ou regulamentos de Bruxelas. Nos últimos tempos, por exemplo, esgotaram-se as lâmpadas incandescentes nas lojas, por se ter sabido que a legislação europeia vai proibir que sejam comercializadas. A ideia de que a medida pode ser boa, por reduzir o desperdício energético, é afastada logo à partida pela proveniência. Tenho a certeza de que muitos britânicos não se importariam de passar as próximas semanas a acender milhares de lâmpadas de 60 watts ao longo da costa, para que em Calais percebessem o que pensam das ideias luminosas da Comissão Europeia.

(Dito isto, diverte-me bastante observar o espírito independente dos britânicos.)
O vento outonal soprava sobre a Inglaterra. Arrancava as folhas das árvores e elas caiam, esvoaçantes, sarapintadas de verde e amarelo, ou deixava-as pairar, flutuar em curvas largas, antes de aterrarem. Irrompendo em rajadas das esquinas, nas cidades, o vento arrancava um chapéu, aqui, e elevava, alto, um véu por cima da cabeça de uma mulher.

Virginia Woolf, Os Anos

domingo, 15 de novembro de 2009

93.5 FM

A maioria dos canais de rádio e de televisão britânicos são tão maus, ou piores, do que os portugueses. Ainda não consegui encontrar uma rádio com música tão boa como a da Radar, apesar de grande parte das correntes alternativas e independentes ter tido origem neste lado do Canal. Ainda assim, encontram-se alguns casos interessantes, como o da BBC Radio 4, que leva o conceito de serviço público bastante a sério. Para além de boa informação, tem programas de debate com historiadores e filósofos que só estamos acostumados a ler à distância. Na semana passada, um grupo de historiadores e teólogos passou cerca de uma hora a debater o Cerco de Münster, de 1535, que pôs fim ao governo da cidade por uma seita anabaptista. E isto é só o começo. Ao fim da tarde, há sempre uma peça de teatro radiofónica e, ao início da noite, a leitura sequencial de partes de um livro. Hoje, pouco depois da hora de almoço, passou um programa de jardinagem, com telefonemas de ouvintes a pedirem conselhos sobre, por exemplo, a melhor época para plantarem determinado tipo de planta. Fiquei a saber que não vale a pena transplantar plantas de framboesa com mais de oito anos, porque são geralmente afectadas por um fungo a partir dessa idade. É como se o tempo tivesse recuado umas décadas e tivesse de ouvir a voz do Eng. Sousa Veloso entre serviços noticiosos da TSF ou da RDP. Neste momento, não sei a programação da Radio 4. Enquanto escrevo, ouço Devendra Banhart, na emissão online da Radar.

sábado, 14 de novembro de 2009

Sweet Thames, run softly, till I end my song.
The river bears no empty bottles, sandwich papers,
Silk handkerchiefs, cardboard boxes, cigarette ends
Or other testimony of summer nights. The nymphs are departed.

T. S. Eliot, The Waste Land
Está frio e muito vento. Regressámos a casa como no final de uma batalha, com o cabelo revolto e algumas varetas de guarda-chuva partidas. Agora, que a luz começa a desaparecer, lanchamos, ouvimos The National (Aligator) e observamos, pelas janelas da sala, as árvores a prosseguirem o combate que abandonámos a meio.

domingo, 8 de novembro de 2009

Hampstead Heath







Hampstead Heath, Novembro de 2009 (com agradecimentos à Gisela e ao Sanjiv).

A nice Guy

Apesar de parecer contraditório, os ingleses comemoram uma explosão falhada, há mais de quatrocentos anos, com fogo-de-artifício anual. Um grupo de conspiradores católicos planeou fazer explodir o edifício do Parlamento, no dia da sua abertura anual, em 5 de Novembro de 1605, com o rei e parte importante da nobreza no interior. A elite política de um dos maiores reinos da Europa teria sido decapitada com um só golpe. Os conspiradores, liderados por Guy Fawkes, foram enchendo de pólvora uma cave por baixo das Houses of Parliament, ao longo de semanas, e o golpe só foi descoberto algumas horas antes do início marcado para a detonação.

Nos últimos dias, temos comprovado que a tradição se mantém. Os estrondos e as luzes vão-se sucedendo, de forma descentralizada e interminente, por várias zonas de Londres. Pode comprar-se fogo-de-artifício no supermercado local. No nosso, o equivalente ao Pingo Doce, está na prateleira a seguir à do pão, o que não deixa de ser conveniente. Pode levar-se uma baguete para ir comendo enquanto se lança o engenho num dos parques, numa destas noites gélidas de início de Novembro. Há pouco vimos da janela da nossa casa mais um foguete a ser lançado do meio do campo de jogos de Holland Park. As luzes iluminaram por segundos os plátanos já quase sem folhas e depois fez-se noite outra vez.