quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


(Bring me the head of papa garcia, Brick Lane, 21.12.2011)

(Lo doy porque quiero!!!, Brick Lane, 21.12.2011)

sábado, 17 de dezembro de 2011

Arcadia, de Tom Stoppard, começa com um diálogo bastante divertido entre uma rapariga de treze anos e o seu preceptor privado, perito na arte de responder a perguntas difíceis e de manter crianças e adolescentes entretidos. Alguns exemplos:

Thomasina Septimus, what is carnal embrace?
Septimus Carnal embrace is the practice of throwing one’s arms around a side of beef.
Thomasina Is that all?
Septimus No … a soulder of mutton, a haunch of venison well hugged, an embrace of grouse … caro, carnis; feminine; flesh.
Thomasina Is it a sin?
Septimus No necessarily, my lady, but when carnal embrace is sinful it is a sin of the flesh, QED. […]
I thought you were finding a proof for Fermat’s last theorem.
Thomasina It is very difficult, Septimus. You will have to show me how.
Septimus If I knew how, there would be no need to ask
you. Fermat’s last theorem has kept people busy for a hundred and fifty years, and I hoped it would keep you busy long enough for me to read Mr Chater’s poem in praise of love with only the distraction of its own absurdities.”

Infelizmente, parece que já alguém conseguiu provar o último teorema de Fermat e por isso não posso usar o mesmo estratagema com os meus próprios filhos enquanto termino de ler a peça de Stoppard.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cambriano




















Jurássico















Cretáceo


sábado, 10 de dezembro de 2011

Stratigraphy (Social Science / Archaeology) Archaeol a vertical section through the earth showing the relative positions of the human artefacts and therefore the chronology of successive levels of occupation. 

Eras geológicas

Numa das últimas idas a Lisboa trouxe de casa dos meus pais uma caixa de cartão onde, logo a partir da infância, fui acumulando pequenos objectos e pedaços de papel. Imperturbadas durante anos, as recordações foram-se dispondo em estratos geológicos muito bem definidos. É possível, como os geólogos fazem, datar com precisão acontecimentos e perceber o modo de vida de quem habitou esses lugares. Encontrei mapas de cidades que visitei, cartazes de festivais de música, bilhetes trocados em salas de aula, listas telefónicas com nomes de amigos que nunca mais vi, cromos com imagens de navios, bilhetes de comboio. Há um pedaço de papel que me intrigou mais do que os restantes. Estava numa das camadas geológicas da adolescência, com um número de telefone e a frase: atreve-te a não me telefonar. O problema é que já não faço a mínima ideia de quem o escreveu ou se cheguei a telefonar ou não. Calculo que, passados mais de vinte anos, já ninguém estará ao lado do telefone – como se fazia quando ainda não eram móveis – à espera de receber a chamada.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A lista

De vez em quando a L. aparece no nosso quarto a meio da noite a dizer que teve um sonho mau. Levo-a ensonada de volta para a cama dela e, enquanto a tapo, pede-me: Pai, diz-me um sonho para sonhar. Escolhemos então em conjunto uma situação mental agradável que a ajude a adormecer: fazer castelos de areia na praia, dar mergulhos na piscina, brincar no parque com uma amiga, etc. Para poupar trabalho e diversificar as opções, pediu-me ontem à tarde para escrevermos uma lista de sonhos. Peguei em papel e numa caneta e comecei a escrever, sob orientação dela. A folha está agora pousada na pequena mesa ao lado da cama dela, embora tenha dúvidas de que a consiga ler a meio da noite, às escuras, com muito sono. Talvez no futuro, com o evoluir da ciência, também nós consigamos retirar a aleatoriedade à projecção nocturna de imagens.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Housmans é uma pequena livraria em King’s Cross especializada em diversas correntes marxistas/anarquistas/pacifistas/ecologistas. Muitos dos autores não se falariam caso se encontrassem na rua, mas convivem pacificamente nas pequenas estantes de madeira. Para além das secções radicais e progressistas, tem livros de todos os géneros. Quando as condições meteorológicas o permitem, tem à porta uma pequena banca com livros baratos em segunda mão. Trouxe de lá hoje uma biografia de Leonard Woolf por uma libra. Numa das primeiras páginas surge esta citação: «I have always been greatly attracted to the undiluted female mind, as well as to the female body.» Dois sentimentos que partilho, embora não necessariamente pela mesma ordem ou com a mesma intensidade.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Os nossos fantasmas (3)


(The Sitters, W. Graham Robertson, 1910)

Os nossos fantasmas (2)


(The Sisters of Cinderella, W. Graham Robertson, 1905)

domingo, 23 de outubro de 2011

Os nossos fantasmas

Num daqueles acasos borgeanos, encontrei num alfarrabista um livro sobre o grupo de artistas que, na segunda metade do século XIX, viveu na nossa rua e em outras circundantes: The Holland Park Circle. Faziam parte da pouco representativa classe dos artistas com muito dinheiro e muitos deles construíram de raiz as suas casas onde antes se pastavam vacas. Descobrimos que, antes de ter sido alterado e dividido em dez apartamentos, o prédio em que habitamos foi mandado construir por W. Graham Robertson, um dos artistas do grupo. O livro traz até uma planta da casa original. No andar de baixo, onde hoje mora uma família de três pessoas, ficava a Sala de Bilhar. A nossa sala, que na configuração inicial se estendia até ao andar de cima, era o atelier onde Robertson pintava. Aparentemente, levava uma vida de dandy. Teve uma actividade social tão intensa que não terá tido tempo para dar um maior contributo para a história da arte. Um dos amigos, John Singer Sargent, pintou-lhe um retrato, agora na posse da Tate. Nele, mostra um ar pálido e imberbe. É sempre bom conhecermos os nossos fantasmas.


W. Graham Robertson, John Singer Sargent, 1894.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Livro de cabeceira para sem-abrigo

Em cima de uma cama de cartão, num dos túneis da estação de metro de Hyde Park Corner, estava hoje pousado The Magic of Reality, de Richard Dawkins, um dos melhores livros de cabeceira para sem-abrigo que tenho visto na rede londrina de transportes públicos. 

domingo, 9 de outubro de 2011

Concílio

A L. chegou da escola com a notícia de que irá fazer de Maria na peça de Natal. A vida de actriz é difícil e, depois de nos dois anos anteriores ter feito de saco de moedas do Sr. Scrooge e de bailarina de caixa de música, pareceu-me bem, não fossem as questões teológicas que o anúncio provocou. Pai, o José é o pai do bebé? Pai, porque é que o anjo teve de dizer à Maria que ela estava grávida, o pai pôs a sementinha especial quando ela estava a dormir? Pai, quem é o pai do menino? Etc. Na impossibilidade de inscrevê-la num curso intensivo de catequese ou de reunir um concílio – e consciente de que algumas das interrogações provocaram no passado guerras religiosas, cisões, mortes na fogueira – tive de recorrer à estratégia mais eficaz: Vai perguntar à tua mãe. E de telefonar ao professor a sugerir um papel menos controverso para o próximo ano, como Petra von Kant ou a Menina Julia.

sábado, 10 de setembro de 2011

Em World’s End há um relógio com ponteiros que rodam na direcção contrária, com bastante velocidade. Podemos ficar parados do outro lado do passeio a ver o tempo andar para trás, com nostalgia ou horror, dependendo dos sentimentos com que encaramos o passado e o futuro. O relógio foi colocado na fachada da loja que pertence ainda a Vivienne Westwood, numa das diversas remodelações de um espaço que ajudou a nascer o movimento punk. Apesar de ser uma apenas uma coincidência geográfica, imagino que o relógio seja também objecto da inveja dos vizinhos do lado, no edifício azul que serve de sede ao Chelsea Conservative Club.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O caçador solitário

A escolha dos livros é quase sempre ditada por motivos pouco racionais. Muitas vezes somos atraídos pelo título. Em outros casos, passa-se exactamente o contrário. The Heart is a Lonely Hunter (O Coração é um Caçador Solitário) da Carson McCullers é provavelmente o melhor livro com o pior título da história da literatura universal. Andei com ele na mão e dentro da mochila durante parte das férias, pousando-o sempre de capa para baixo, com uma vergonha de que me envergonho. Uma das personagens centrais do romance é um mudo chamado Singer. É um livro complexo, maduro, publicado quando McCullers tinha 23 anos. Saber isso irrita-me, com uma inveja de que me envergonho também.

O tratador de animais

No cruzamento para o Carvalhal existe uma barraca de madeira cheia de velharias. Enquanto vagueávamos por entre móveis baços e todo o tipo de objectos antigos, a L. e o D. davam festas ao gato do dono do negócio, um senhor simpático e sem um braço. Disse-nos que também gostava muito de bichos. Contou-nos mesmo que o seu trabalho anterior tinha sido como tratador de animais, até ao acidente o ter obrigado a voltar-se para as velharias. Apesar da curiosidade, não chegámos a perguntar-lhe se tinha sido um acidente no trabalho e de que tipo de animais tratava o homem agora sem um braço. Trouxemos connosco uma balança antiga de padaria e uma tina de latão. O banco de igreja, com sítios distintos para sentar e ajoelhar, não cabia na bagageira.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Uma livraria no fim do mundo

É reconfortante saber que existe uma livraria no fim do mundo. Fui até lá hoje, na hora de almoço. A World’s End Bookshop fica numa das zonas menos movimentadas da King’s Road e é especializada em livros em segunda mão. Tem livros um pouco por todo o lado: os mais valiosos protegidos no interior de estantes de vidro, os mais baratos em caixas espalhadas pelo chão. Tem bastantes livros de poesia e de arte. Na primeira vez que inclinei a cabeça ligeiramente para a direita para ler as lombadas, descobri um livro sobre o grupo de artistas que habitou na zona em que vivo, no final do século XIX: The Holland Park Circle. Trouxe-o comigo debaixo do braço. Menos de cem metros a seguir existe uma loja especializada na venda de cartazes originais de filmes antigos: coloridos, enormes, perfeitos para as paredes da minha casa, caros. Deixei-os ficar a todos no fim do mundo. 
Nesta época de austeridade, aparentemente cortaram também uma estação do ano. Em Londres, passámos directamente da Primavera para o Outono. Até o mundo vegetal parece ter perdido as esperanças de que o sol brilhe com a intensidade desejada. Chove intensamente e no jardim das traseiras da nossa casa as folhas de uma das árvores avançam já rapidamente para o cor-de-laranja. A chuva ajudou a acalmar os tumultos nas ruas da cidade. Os fogos foram extintos e o sentimento de recolher obrigatório vai lentamente sendo abandonado. No Sábado vou para sul, por três semanas, à procura do Verão.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

No mês de Agosto os telefones não tocam, a caixa de entrada do correio electrónico vai recebendo mensagens de forma espaçada e sonolenta, não há passos apressados pelos corredores. As linhas-férreas e as auto-estradas levaram os habitantes das grandes cidades para lugares mais frescos junto às montanhas ou ao mar. Os poucos que ficaram a guardar a fortaleza entram num período de letargia ou dedicam-se a tarefas de arquivo, arrumação, catalogação. Em Londres já quase só os turistas andam pelas ruas e pelos parques. Há notícias de motins em algumas zonas da cidade, acontecimentos geralmente potenciados por um calor que este ano tarda em fazer-se sentir.

Fim-de-semana (2)


No Domingo à noite foi assistir ao concerto do Morrissey na Brixton Academy. A sala estava cheia de pessoas que obviamente o acompanham desde os anos 80, envergando t-shirts com o nome dele ou imagens retiradas dos álbuns dos The Smiths. Os que ainda têm cabelo suficiente para tal exibiam de forma discreta penteados semelhantes aos do cantor. Morrissey cantou músicas de várias fases da carreira e, nos intervalos, fez comentários depreciativos sobre diversos membros da Família Real. O público sabia de cor a letra de todas as canções e acompanhou-o de forma mais viva durante People are the same everywhere, Everyday is like Sunday e There’s a light that never goes out. Esta manhã, ao ler os jornais, apercebi-me de que, aparentemente, houve motins e pilhagens na rua por onde passei antes e depois do concerto. É uma daquelas situações em que quem está em casa a ver televisão sabe mais sobre os acontecimentos do que quem está no próprio local.

Fim-de-semana (1)

No Sábado fui até Twickenham assistir ao Inglaterra – País de Gales em Rugby. Apesar de ser um jogo amigável, o estádio estava completamente lotado. Para lá chegar tive de juntar-me aos milhares de pessoas que tentavam comprimir-se no interior das carruagens dos comboios que partiam do centro de Londres. Foi com alguma nostalgia que fiz o trajecto, recordando-me das inúmeras viagens que fiz em condições semelhantes na Linha de Sintra, nos anos 80 e 90. Em todo o lado, dois temas dominavam as conversas: (1) a quantidade de cerveja que já se tinha bebido e (2) a quantidade de cerveja que se planeava beber a seguir. O jogo, apesar de amigável, foi bastante animado. A Inglaterra venceu por 23 – 19.



sábado, 6 de agosto de 2011


Escócia, Julho de 2011.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A ver Bring me the Head of Alfredo Garcia, de Sam Peckinpah (1974).
Como o Verão inglês é tradicionalmente curto, assim que as temperaturas sobem acima dos 20ºC dá-se uma transferência frenética de actividades para o exterior, com mesas e cadeiras retiradas do fundo das arrecadações e garrafas de Pims alinhadas nos beirais das janelas. Só esta semana, a Rainha deu um Garden Party nos jardins do Palácio de Buckingham e os Arcade Fire deram a sua própria festa em Hyde Park. E posso garantir que os convidados dos Arcade Fire estavam, em geral, muito mais bem vestidos que os da Rainha. As festas particulares e de empresas também se multiplicam um pouco por toda a cidade, em jardins públicos ou privados. Os nossos vizinhos de baixo (um canadiano e uma mexicana) estão a organizar uma festa no relvado da parte de trás do prédio para amanhã ao fim da tarde, para a qual fomos convidados. Da nossa janela vejo um gato muito gordo e lento a mover-se por entre o mobiliário de jardim ainda semi-montado que ficará já esta noite no relvado.

domingo, 26 de junho de 2011

Homem ao mar

O crescimento é marcado por uma passagem progressiva das actividades colectivas para as individuais. Quando éramos miúdos, não havia jogo que, por excesso de candidatos disponíveis, não tivesse de fazer uso dos princípios da exclusão ou do roda-bota-fora. É pouco provável que, na idade adulta, os amigos morem todos na mesma rua e seja necessário apenas gritar para os fazer abandonar o telejornal ou os banhos dos filhos para virem jogar à bola. Para se organizar um jogo de futebol ou de voleibol é preciso criar-se um algoritmo complexo para coordenar diferentes horários de trabalho, os aniversários de família de x, os amuos da namorada de y, etc. Em particular nas grandes cidades, restam poucas alternativas para quem quer fazer desporto, em geral o jogging ou a natação, actividades solitárias, monótonas, sem grandes regras. O objectivo deixa de ser ganhar (a alguém) mas perder (calorias). Como nunca gostei de correr sem uma meta ou uma baliza à minha frente, tenho ido nadar na hora do almoço. São duas ou três pistas de uma piscina onde alguns dos habitantes de Chelsea, protegidos pelo anonimato dos óculos e da touca, nadam desprovidos da personalidade que deixaram pendurada nos balneários. De modo contra intuitivo, tenho-me sentido bem nessa migração monótona e circular de meia hora de um lado para o outro da piscina, imerso no silêncio denso da água. Em todo o caso, preferiria o futebol, se tivesse escolha ou mais jeito.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Desert Island Discs

A ouvir New York Dolls (There’s Gonna Be a Showdown) por sugestão de Morrisey (num programa de rádio).

Antes do amanhecer

A brincar com legos às 6h30 da manhã com o D. O resto da casa em silêncio enquanto construímos as ameias de um castelo e os primeiros animais percorrem o relvado das traseiras. Mais tarde, levar a L. para a escola a pé, descendo as escadas de lado, entrando pelas portas de costas, num jogo imposto pela imaginação infantil. Só depois entrar no mundo dos adultos, com autocarro a caminho do trabalho, leitura de jornais e outros adultos. E o castelo provavelmente já em ruínas, no chão da sala.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Comunidade

A nossa cama é cada vez mais uma jangada à deriva, à qual os filhos, um a um, vão subindo a meio da noite, perturbados pelos pequenos naufrágios da infância: um pesadelo, um barulho real ou imaginário no andar de cima, uma bexiga cheia ou esvaziada nos lençóis. Voltamos a levá-los para a respectiva cama quase de imediato, depois de confortados. Por vezes, quando a visita ocorre naquela hora indecisa em que é tarde demais para voltarem a dormir e cedo demais para ficarem acordados, deixamo-nos ficar os quatro estendidos, cada um voltado para a sua própria forma de inconsciência. Um sono leve, sempre alerta para os pequenos cotovelos e calcanhares espetados periodicamente nas costelas e no rosto. Está longe de ser a Comunidade de Luiz Pacheco, mas não deixa de ser uma boa forma de começar uma manhã de fim-de-semana.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Terminei de ler O Amante de Lady Chatterley de D.H. Lawrence com a clara sensação de que me teria sido muito útil durante a adolescência. Tenho a certeza de que teria percebido muito menos e gostado muito mais. Em algumas passagens parece mesmo ter sido escrito por um adolescente, com alguns dos mitos adolescentes sobre o sexo. É um livro moderno em muitas das ideias e clássico nos ambientes. Tenho alguma curiosidade para folhear a edição portuguesa para ver como é que o pobre tradutor se safou com as frases ditas com calão e sotaque de Derbyshire como esta: “Tha’rt good cunt, though, aren’t ter? Best bit o’ cunt left on earth. When ter likes! When th ‘rt willin’!”

domingo, 3 de abril de 2011

Paradise Road

Passámos o dia em Richmond, uma pequena cidade perto de Londres e também atravessada pelo Tamisa. O rio é aí menos largo, mais acolhedor, igualmente turvo. Há pequenos barcos a remos a atravessarem os arcos das pontes e crianças nas margens a atirarem pão duro às aves aquáticas. No final do dia, quando preparávamos o regresso a casa, percebemos que a saída do parque de estacionamento desemboca directamente na Paradise Road e em frente da casa onde Leonard e Virginia Woolf viveram e fundaram a Hogarth Press. Já tinha lido muitas descrições da casa no diário pessoal de Virginia e imaginava um ambiente muito mais campestre, como provavelmente seria há quase cem anos quando ela lá viveu. A casa fica agora numa das zonas mais desinteressantes de Richmond. Está um pouco afastada do rio, mas não demasiado, que Woolf sempre gostou de ter um curso de água disponível para os dias mais tristes.

Electric Cinema


Continuei ontem à noite a minha descoberta pelos cinemas independentes da parte ocidental da cidade. O Electric Cinema fica a meio de Portobello Road, entre bares e pequenas lojas de comércio tradicional. Entra-se por uma pequena porta para uma sala ampla, de aspecto antigo, com filas de pequenos sofás de pele, demasiado confortáveis para quem tem andado a dormir pouco. Existe até a possibilidade de se reservar um sofá de dois lugares, no fundo da sala. A maioria dos cinemas tem um bar à entrada, onde os clientes se abastecem com todos os tipos de bebidas. No Electric Cinema, o bar fica no interior da própria sala. No longo período de projecção de publicidade e apresentações que antecede o filme, os clientes servem-se no bar de copos de vinho tinto, acompanhados por pratos com fatias de queijo, champanhe, martinis, etc. Só a escolha dos filmes não condiz com este ambiente alternativo. Vi o Source Code, com o Jake Gyllenhaal e a Michelle Monaghan, que só se salva mesmo pela Michelle Monoghan. No final caminhei a pé pelos bairros residenciais de Notting Hill a caminho de casa, numa das primeiras noites de verdadeira primavera em Londres.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Make love, not war

No outro dia ouvi alguém assegurar que teria um esgotamento nervoso se outra pessoa, ao iniciar a discussão de um tema, fizesse remontar a descoberta aos gregos. Mas, de facto, lendo Lisistrata, percebemos que há poucas coisas que os gregos não conhecessem já. E não me refiro apenas a que o quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. Na peça de Aristófanes as mulheres gregas, lideradas por Lisistrata, fazem um juramento colectivo de negarem sexo aos seus maridos até estes concordarem em terminar com a Guerra do Peloponeso. É este o texto integral do juramento:

I will not allow either lover or husband

to approach me in a state of erection.

And I will live at home in unsullied chastity

wearing my saffron gown and my sexiest make-up

to inflame my husband’s ardour.

But I will never willingly yield myself to him.

And should he rape me by force against my will

I will submit passively and will not thrust back

I will not raise my slippers towards the ceiling

I will not adopt the lioness-on-a-cheesegrater position.

If I abide by this oath, may I drink from this cup.

Os benefícios de uma educação clássica tornam-se evidentes quando se tenta perceber a posição lioness-on-a-cheesegrater. A peça está repleta de referências históricas e de trocadilhos de natureza sexual, sendo por vezes incerto se é mais adequada ao D. Maria II ou ao Parque Mayer. Fala da expedição ateniense à Sicília e de vibradores fabricados com pele de cão, do ouro da Acrópole e das duas maçãs de Helena de Tróia. É um texto sobre o poder das mulheres, sem ser necessariamente feminista. Um poder baseado no corpo – enorme, assimétrico e para o qual, felizmente, não existem tratados de desarmamento.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Numa conversa casual, com uma pessoa de quem não fixei o nome, fiquei a saber da existência da Biblioteca Residencial Gladstone. O longo edifício de tijolo vermelho fica nos arredores de Chester, uma pequena cidade no Norte de Inglaterra. Tem trinta quartos e duzentos e cinquenta mil livros. Depois do check in pode ir-se até à sala da biblioteca e deixar que as lombadas desfilem em frente aos olhos. Quando se vê um volume de que se goste mais pode-se levá-lo para o quarto para algumas horas de prazer. É o mais próximo que pode existir de bordel literário e ainda parece ter vagas para o fim-de-semana.




sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A mim parece-me que estaria sempre bem no lugar em que não estou, e este problema de mudar-me é uma coisa que não cesso de discutir com a minha alma.

«Diz-me tu, minha alma, pobre alma friorenta, que pensarias tu de viver em Lisboa? Deve lá fazer calor, e podias regalar-te como um lagarto. A cidade ergue-se à beira d’água; dizem que é construída de mármore, e que o povo tem tanto ódio ao vegetal que arranca todas as árvores. Eis uma paisagem a teu gosto; uma paisagem feita de luz e de mineral, com o líquido para os reflectir

A minha alma não responde.

Baudelaire, «Any where out of the world», O Spleen de Paris

sábado, 12 de fevereiro de 2011

L., Auto-retrato, Oficina de Francis Bacon, século XXI.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A biblioteca intacta


Encontrei esta fotografia de Holland House. Foi tirada no dia seguinte a uma noite de bombardeamento alemão a Londres, em 1940. O que resta da casa está no meio do parque, a poucas centenas de metros de onde moro. A imagem é da biblioteca, sem tecto, coberta de escombros, mas com as estantes intactas. No meio do entulho, três figuras de rosto encoberto percorrem os olhos e os dedos pelas lombadas dos livros, totalmente absorvidos na leitura de títulos e nomes de autores. Não sabemos os nomes, o que fazem ali ou os livros que levaram consigo para lerem mais tarde no fundo dos abrigos subterrâneos.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Relatório de domingo - Holland Park

Ao fim do dia, os pais começam a reunir as crianças e a encaminhá-las para fora do parque infantil, como pastores. Os pavões sobem para o cimo das árvores, para passarem a noite, num ritual de sobrevivência transmitido por antepassados que viviam entre predadores. São pássaros enormes, sombras enormes entre as sombras das árvores sem folhas. No meio do parque há um edifício em ruínas, destruído por bombas incendiárias em 1940. Na luz do crepúsculo e da iluminação pública alaranjada, parece que ainda está em chamas. Um fogo sem calor. Regressamos a casa rapidamente, expulsos do parque por rajadas de vento.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

2 February 1940

The snow remains, slightly pocked, but the road is clear. I forget to make extracts from the papers, which boom, echoing, emptily, the BBC. Hitler’s speech – Churchill’s – a ship sunk – no survivors – a raft capsized – men rowing for ten or twelve or thirty hours. How little one can explode now, as perhaps one would have done, had it been a single death. But the Black Out is far more murderous than the war. Prices rise twopence then threepence. So the screw tightens gradually; and I can’t even imagine London in peace – the lit nights, the buses roaring past Tavistock Square, the telephone ringing, and I scooping together with the utmost difficulty one night or afternoon alone. Only the fire sets me dreaming – [...]

Virginia Woolf, Diary

domingo, 23 de janeiro de 2011

Noite eleitoral

Nunca assisti a leituras de poesia com mais de vinte ou trinta pessoas presentes, mais de metade das quais geralmente familiares e amigos dos próprios poetas e o resto uma mistura de clientes habituais, representantes das editoras e transeuntes distraídos. Esta noite fui ao Southbank Centre ouvir os finalistas do T.S. Eliot Poetry Prize lerem alguns dos seus poemas, numa sala com duas mil pessoas. Os bilhetes mais baratos custavam cerca de quinze euros. Dos dez finalistas, apenas o Derek Walcott não esteve presente pessoalmente, demasiado idoso e inteligente para abandonar a ilha das Caraíbas onde vive em pleno inverno. As melhores leituras foram as de Simon Armitage (Seeing Stars), Robin Robertson (The Wrecking Light) e Sam Willetts (New Light for the Old Dark). Seamus Heaney, debilitado pela idade, leu alguns dos poemas de Human Chain com o seu sotaque carregado e uma forte tremura nas mãos ao virar as folhas. O vencedor é anunciado amanhã.

Adenda: O vencedor foi Derek Walcott. Não se conhecem ainda os números da abstenção, nem o discurso de vitória. Os restantes poetas reconheceram a derrota de modo cortês e em pentâmetros iâmbicos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

LER

Encontrei, por acaso, uma referência a esta outra Ler, uma revista sem recensões literárias, crónicas ou jornalismo cultural, apenas tornozelos, calcanhares, tarsos, metatarsos, meias para diabéticos e calçado ortopédico. O nome é uma abreviatura de Lower Extremity Review, ou seja, é uma publicação periódica sobre pés. Num dos últimos números, Jordana Bieze Foster, uma espécie de Francisco José Viegas da Lower Extremety Review, dedica o editorial aos chinelos de dedo (Flip-flop Flak). O Rogério Casanova pode escrever análises interessantes sobre Pynchon ou Nabokov, mas nada de tão profundo quanto os artigos de Metin Yavuz, PhD sobre pressão plantar.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Liberdade de ensino

No Reino Unido, o sistema educativo não está dividido tanto entre ensino público e privado, mas entre escolas pagas e não pagas. O sistema público é composto por escolas geridas pelas câmaras municipais ou por instituições religiosas ligadas às igrejas anglicana ou católica. E a competição pelas melhores escolas é enorme, com pais verdadeiramente convencidos de que todo o futuro dos seus filhos de cinco anos depende desse factor. Há histórias de famílias que mudam de casa para beneficiarem do critério da proximidade geográfica e de pais que se tornam mais devotos e começam a assistir à missa com maior regularidade, com meses ou anos de antecedência, para poderem beneficiar do critério da crença praticante. À primeira vista, existe maior liberdade de escolha do que no ensino uniformizado português. No entanto, como é um sistema competitivo e de recursos limitados, muitas das famílias têm de optar entre colocar um filho numa escola longínqua, da denominação da sua preferência, ou numa escola mais próxima, de uma denominação contrária à sua fé ou falta de fé. Já entregámos a candidatura da L. Na lista de cinco escolas, duas (as mais próximas de casa) são anglicanas e uma católica. Seja o que o deus e o ministério da educação quiserem...

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Livro de reclamações

Uma das obras principais de Lord Byron é um longo poema de viagem (Childe Harold’s Pilgrimage), com início em Portugal. Byron entrou num navio para escapar às frustrações da terra natal e desembarcou em Lisboa em 1809. Como legado à posteridade, dedicou vinte stanzas a elogiar a beleza natural de Portugal e a criticar a personalidade e os hábitos de higiene dos portugueses. Diz, na verdade, que é uma pena que tanta beleza seja desperdiçada num povo como o nosso, escravizado pelos invasores franceses e depois pelos salvadores britânicos.

Poor, paltry slaves! Yet born ‘midst noblest scenes –

Why, Nature, waste thy wonders on such men?


Um comentador que ouvi há pouco dizia que o culto de Byron - uma verdadeira pop star do século dezanove - espalhou-se um pouco por toda a Europa, com a excepção compreensível de Portugal. Os portugueses, como todos os povos, gostam de dizer mal de si próprios, mas levam a mal que outros se dediquem a essa actividade. Em especial quando nos comparam desfavoravelmente com os espanhóis:


Well doth the Spanish hind the difference know

‘Twix him and Lusian slave, the lowest of the low.


Mais do que um poema, é o livro de reclamações de um turista inglês.