Li os principais romances de José Saramago, mas nunca folheei sequer os diários. Fui por isso surpreendido ao ler uma recensão da autobiografia da infância do escritor na Literary Review, que começava com a história do registo de nascimento. Aparentemente, o funcionário estava bêbado e acrescentou ao apelido (Sousa) a alcunha pela qual a família era conhecida (Saramago). O caso não deve ser único ou, até, o mais embaraçoso. No mesmo texto, que consegui encontrar na internet, Saramago fala da sorte de a sua família não ter por alcunha, como outras da Azinhaga do Ribatejo, Pichatada, Curroto e Caralhana. Acredito que nunca teria recebido o Nobel. Eu, que sou urbano-depressivo, mas tenho uma aldeia, onde nunca vivi e sempre passei os verões, tenho um problema idêntico. Lá, pelo menos para as pessoas mais velhas, o meu apelido é Carvalheira, por a casa de família ficar numa encruzilhada de carvalhos centenários, dos quais restam ainda dois. Como no Tabacaria, de Álvaro de Campos, qualquer dia desaparecem os carvalhos e depois a alcunha de família e a língua em que era dita. Até lá, seremos os carvalheiras. Na verdade, fora dos bilhetes de identidade, existem poucos sousas, silvas, rodrigues, barrosos, gonçalves, martins, alves, cunhas. Quase todos são conhecidos por um nome diferente, como um código secreto que se aprende ao crescer e é, por isso, impenetrável a estranhos.
*Título da recensão de Miranda France.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
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