terça-feira, 28 de setembro de 2010

A Câmara de Londres montou um sistema público de bicicletas, muito prático e barato. A promoção foi feita pelo próprio Mayor de Londres, Boris Johnson, o segundo presidente de câmara com mais piada que já tive, depois de Santana Lopes. Encomendei a minha chave de acesso pela internet e, no sábado, quando chegou por correio, fui dar uma volta pelo bairro, acompanhado pela L., veloz ao meu lado pelo passeio na sua trotineta. Lembro-me perfeitamente de ter aprendido a pedalar na bicicleta emprestada do Pedro e incentivado pelos conselhos do Jorge, um vizinho alguns anos mais velho: «-Olha para a frente, não olhes para a roda.» Os londrinos, como quase todos os habitantes do norte da Europa, são grandes adeptos do uso da bicicleta. É frequente ver senhores com pose aristocrática e fato completo a caminho do trabalho montados numa ou mães com sistemas complexos para transportarem bebés. Criado no sul, confesso que estava habituado a encarar as bicicletas como uma primeira etapa rumo a algo maior, mais potente, com mais rodas, jantes de liga leve e estofos de cabedal. Agora, é possível que me vejam de vez em quando a pedalar em direcção ao pôr-do-sol, até desaparecer por entre as multidões que cruzam as ruas de Londres, em todas as direcções, de modo constante, aleatório, coordenado.

domingo, 19 de setembro de 2010

Rescaldo do jogo

Benfica, 2 - Sporting, 0

Dishes, The Pulp
Stars and Sons, Broken Social Scene
Suburban War, Arcade Fire
Obstacle 1, Interpol
I Dreamed I Dream, Sonic Youth
Night Time, Bauhaus
The Cutter, Echo & the Bunnyman
Subterranean Homesick Alien, Radiohead
Runaway, The National
...
A distância é isto, apesar de toda a sofisticação tecnológica, não consigo assistir ao Benfica-Sporting pela internet. Como os idosos na minha infância, tenho o auricular no ouvido, mas não ouço o relato. Pus o walkman no aleatório, para abafar o ruído de um estádio distante, e ele deu-me A Means to an End (Joy Division), Dizzy (Siouxie & the Banshees), Play for Today (The Cure) e The Sweets (Yeah Yeah Yeahs). O Sporting pode estar a perder, mas a seguir na lista vem Rudie Can't Fail (The Clash), o que pelo menos já garante a vitória moral.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Quatro Quartetos

Como já contei, comprei num alfarrabista de Camden os Four Quartets, de T.S. Eliot. Agora que o li com mais atenção reparei que o dono original do livro sublinhou a lápis alguns versos do primeiro conjunto de poemas, de que provavelmente terá gostado mais. São frases soltas, em páginas diferentes, que alinhadas ficam assim:

The inner freedom from the practical desire,
A white light still and moving,
Distracted from distraction by distraction,
At the still point of the turning world.

O livro não tem assinatura nem dedicatória e por isso é impossível descobrir o leitor que construiu este poema no interior do poema.
Em Londres, a agenda cultural é muito vasta. Muito mais que o tempo e o dinheiro disponíveis. Perdi, por exemplo, o concerto dos The National, no Royal Albert Hall, e o dos The XX, no norte da cidade, ambos esgotados. Amanhã há o Papa em Hyde Park e as ruas começam a ser encerradas ao trânsito, as bandeirinhas penduradas ao longo do percurso. Os bilhetes nem são caros (entre 5 e 25 libras), mas as músicas já estão um pouco batidas. Para evitar a confusão, vou manter-me afastado do centro da cidade até Domingo, mesmo sabendo que é como ir a Londres e não ver o Papa.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Pedalar sem mãos

No primeiro ano agimos como estranhos, no segundo como condutores alcoolizados. Sentimo-nos plenamente confiantes enquanto vamos cruzando linhas contínuas e atravessando sinais vermelhos. Sem uma vigília constante, os erros culturais e gramaticais sucedem-se sem que me aperceba. As pequenas conquistas acontecem quando me perguntam por uma ruela estreita do outro lado da cidade e sei indicar o caminho, que autocarro apanhar e o nome de uma pequena loja de antiguidades que existe numa transversal. É quase Outono e, ao fim de um ano, Londres deixou de ser apenas um mapa com nomes exóticos.
O António nasceu hoje, já com nome próprio, livrando-se assim de se chamar Guido, como o santo que se comemora a 12 de Setembro. Quando estamos longe, temos tendência a querer que tudo fique parado, que as pessoas sustenham a respiração, como numa sessão de radiografia, até nós voltarmos. Mas alguns amigos mudam de emprego, outros trocam de namorada e uns, sem qualquer consideração, insistem em ter filhos, sem que nós possamos guiar até à maternidade para pegar na criança ao colo e fumar um charuto imaginário com o pai. Sendo assim, as notícias chegam por telemóvel e as prendas seguem por correio, numa correspondência de afectos. Já só faltam as fotos, para podermos dizer mais tarde, como o Vítor Espadinha, que foi em Setembro que te conheci.

domingo, 5 de setembro de 2010

Depois de quatro semanas divididas entre o Alentejo, Lisboa, Trás-os-Montes e o Douro Litoral, regressei a Londres para uma semana de chuva contínua. No fim-de-semana, quando o tempo melhorou, fui visitar Primrose Hill, na zona norte de Londres. O pretexto foi uma peregrinação à casa onde viveu Sylvia Plath, com os seus dois filhos, e onde se suicidou com a cabeça enfiada no fogão. Levava a morada anotada num papel e fiquei dois ou três minutos em frente ao 23 de Fitzroy Road, apenas o tempo suficiente para satisfazer a curiosidade de turista, antes de me voltar a embrenhar pelas ruas calmas do bairro. Andei perdido e desci gradualmente de Belzise até à agitação de Camden Town. Num alfarrabista do Stables Market andei com a cabeça inclinada pelas lombadas à procura de um livro de Plath, que não encontrei, e em vez disso trouxe uma edição antiga de Four Quartets de T. S. Eliot e, por recomendação do dono, um livro de John Betjeman, de quem não gosto particularmente, para ser simpático e porque custava só cinco libras. Ao sair, recomeçou novamente a chover e apressei o passo com os dois livros a proteger a cabeça, para me relembrar da utilidade da poesia.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Regressei há quase duas semanas e ainda estou a fazer o habitual luto do Verão. A pele bronzeada e as fotografias são o que resta dos dias passados entre a toalha e o mar, a fazer construções de areia para os miúdos, ciclicamente destruídas pela rebentação. Trabalhos efémeros, sem objectivo definido, muito retemperadores. Construí dezenas de muralhas e de castelos sem qualquer sensação de tempo perdido, para depois os abandonar de repente, para dar um mergulho no mar, como uma civilização de foge apressada da invasão dos bárbaros deixando para trás ruas e edifícios vazios.
Os clientes já começam a juntar-se à porta, a encostarem a cara aos vidros, mas as cadeiras ainda estão voltadas em cima das mesas e as luzes fechadas. Isto é comércio tradicional: tem horário reduzido, encerra para férias prolongadas e por vezes fica com uma placa na porta a dizer «volto já», quando me apetece ir tomar um café ou dar uma volta pelo bairro. Fico longos períodos sem aparecer. Não é um negócio muito lucrativo nem tem muitos clientes, só os mais habituais, que já se habituaram a ser mal servidos, mas continuam felizmente a aparecer. Sempre é melhor fazer compras enquanto se conversa sobre o tempo ou a Selecção Nacional do que, nas grandes superfícies, se espera de que o tapete rolante vá arrastando as frutas e os legumes para o abismo dos sacos de plástico. Há muitas técnicas para tentar prolongar o Verão, mas eu, infelizmente, já as esgotei a todas. – Seja muito bem-vinda de volta ao nosso estabelecimento, D. Rosa. O que vai ser hoje?...